Há
20 anos, a prestigiosa revista "Foreign Affairs" publicava
um dos mais importantes artigos de sua nonagenária história:
"Choque de Civilizações", de Samuel Huntington, cientista
político de Harvard, falecido em 2008.
Argumento
central: conflitos pós-queda do Muro de Berlim seriam engendrados
sobretudo por diferenças culturais. Percorremos em 500 anos a
trajetória de confrontação entre príncipes, Estados-Nação,
ideologias e, finalmente, civilizações.
A
teoria do "choque" explicaria a guerra na ex-Iugoslávia, o
11 de Setembro e atentados em Madri (2004) e Londres (2005). Serviu
de "fermento" à Guerra ao Terror e incursões dos EUA no
Iraque e Afeganistão.
Desferiu
duro golpe nos entusiastas da globalização. Demarcou limites ao
otimismo de que economia de mercado e democracia representariam
objetivos universais. Eclipsou, assim, a tese do "Fim da
História", apresentada por Francis Fukuyama em 1989.
Talvez
apenas "As Fontes da Conduta Soviética" supere o "Choque"
em impacto histórico de um artigo sobre política mundial. Publicado
em 1947 também na Foreign Affairs pelo ministro-conselheiro da
embaixada dos EUA em Moscou, George Kennan (à época sob o
pseudônimo "X"), o texto forneceu substrato intelectual
para a doutrina da contenção e o início da Guerra Fria.
Examinar
o mundo pela lente do choque civilizacional continua valendo? A
própria classificação de Huntington sobre quais seriam as
civilizações é bastante controversa (identifica a América Latina,
por exemplo, como algo em separado da civilização ocidental).
Ademais,
tanto o 11 de Setembro como a Grande Recessão de 2008 parecem ter
surtido efeito "regressivo" na escala de Huntington.
Testemunhamos
em anos recentes verdadeiro renascimento do Estado-Nação como ator
preponderante da cena mundial.
Por
pressão de seu público --nacional e interno--, alguns ocidentais
como Reino Unido, Espanha e Alemanha mostraram-se mais reticentes a
cerrar fileiras em torno da cruzada contra o terror.
Na
dimensão geoeconômica, acordos de comércio e investimento em
gestação, como a Parceria Transpacífico, congregam atores tão
civilizacionalmente distintos quanto Chile, EUA e Coreia do Sul.
E
um dos principais temas do noticiário atual, a espionagem de grandes
proporções efetivada pelos EUA, volta-se não apenas a "adversários
civilizacionais". Prolifera também sobre parceiros de
interesses comuns.
É
o caso do Brasil (que juntamente com os EUA formam as duas maiores
democracias do continente). Do México, parceiro dos EUA no Nafta
(Acordo de Livre Comércio da América do Norte). E de sócios dos
EUA em alianças de defesa, como França e Alemanha no âmbito da
Otan. Todos ampla e sofisticadamente bisbilhotados pelos EUA.
Por
mais que nesses 20 anos o paradigma civilizacional tenha oferecido
valiosos elementos à interpretação do pós-Guerra Fria, a
confluência entre os interesses nacionais de cada país ainda é o
principal gerador de cooperação e conflito no tabuleiro global.
/e-mail:
mt2792@columbia.edu
ATIVIDADE
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