segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

O RITO DE PASSAGEM ou A FESTA NA CASA DA HELÔ

O Rio de Janeiro já foi Capital Federal, até que Brasília lhe tirasse o título (mas não a "majestade"). E, naquele Réveillon de 67 para 68, o Rio de Janeiro deveria ser a sede das principais festas do país, ou ao menos a que atraía a intelectualidade, os políticos e os nomes clássicos, das famílias "de colunas sociais".

Zuenir Ventura comenta uma dessas festas, em seu livro: o "Réveillon da casa da Helô": a escritora Heloísa Buarque de Holllanda (1939/, na foto abaixo) e seu então esposo, o advogado Luiz Buarque de Hollanda (1939/) realizaram uma das festas do ano mas, nas palavras de Zueniir, "permanece como um misterioso marco", e forneceu o material "com que se fazem os mitos".

As colunas sociais pouco falaram desse evento, mas sabe-se que era "metade gente de cinema e teatro novo; a outra metade, grupos de jovens assessores lacerdistas". Ali estavam o escritor e jornalista Elio Gaspari (1944/), a atriz, roteirista, escritora e colunista Maria Lúcia Dahl (1941/), o cineasta Glauber Rocha (1939/1981), o cantor e compositor Geraldo Vandré (1935/), o desenhista, humorista, dramaturgo, escritor, poeta, tradutor e jornalista Milllôr Fernandes (1923/2012), o editor Ênio Silveira (1925/1996), o fotógrafo e pintor Carlos Vergara (1941/), o empresário Fernando Gasparian (1930/2006), a artista plástica Regina Vater (1943/), o diretor de fotografia Affonso Beato (1941/), o diretor Luiz Carlos Barreto (1928/), o autor de novelas Antônio Calmon (1945/), a atriz Florinda Bolkan (1941/) e a produtora e atriz italiana Marina Cicogna (1934/), com quem tinha um relacionamento ("Este, sim, era um casal moderno", segundo Zuenir.

Segundo o escritor, houve de tudo: excessos etílicos (um advogado, ao pedir "dois uísques", recebeu duas garrafas), discussões acaloradas (Ênio Silveira e Carllos Vergara), "papos cabeça" (Vandré e Millôr), escândalos (Maria Lúcia Dahl levando uma bofetada do marido, por estar dançando com outro), separações de casais que se diziam modernos, mas não deram conta de tanta liberdade (17, segundo Zuenir). "Houve um momento em que quase todos os presentes, de alguma maneira, apanharam ou bateram — e até hoje não sabem bem por quê." "A casa ficou inteiramente destruída", lamenta até hoje Luiz Buarque de Hollanda. Sobraram umas 100 garrafas de uísque, que foram vendidas para pagar parte da reforma geral.

Mas também dançou-se muito: Roberto Carlos, Beatles, Caetano, Chico e Miriam Makeba ("Quando o baile ameaçava desanimar, bastava repetir: "Sacundunga, sacundenga, auê pata-pata.")

A "Análise da festa":

Ao longo desses 20 anos, houve muitas hipóteses para tentar explicar aquela explosão de sexualidade, violência, prazer e ansiedade, que marcou tanto as reminiscências da época. É possível realmente que o "Réveillon da casa da Helô" tenha condensado, como uma metonímia, o país de então. Ênio Silveira acha que aquela grande libação significou "o fim de uma época e não, infelizmente, o começo de uma nova". "Foi um delírio coletivo", explica Calmon. "Todas as crises internas explodiram ali. Pessoas com problemas sexuais, como eu, que não conseguiam transar com isso, uniões infelizes, fantasias não realizadas, violências reprimidas, a perda na fé política, veio tudo à tona." O som, a bebida, a euforia desorientada, uma excitação meio agônica, não deixavam, porém, que se percebesse isso. Nem isso, nem o que iria ocorrer com o país.


Um comentário: