sábado, 27 de abril de 2013

Violência Contra A Mulher (Parte I)

Se lembra quando a gente
chagou um dia a creditar
Que tudo era pra sempre
Sem saber, 
que o pra sempre
sempre acaba....
(Renato Russo - Por Enquanto)

No livro Nova História das Mulheres No Brasil, há um capítulo intitulado Da Legitimação À Condenação Social, escrito por Lana Lage e Maria Beatriz Nader. Nele, as autoras começam afirmando que a violência contra a mulher é um problema social. 


É citado o ano de 1975, como Ano Internacional da Mulher, decretado pela ONU, como uma resposta às reivindicações de organizações feministas. Com esse dado, percebemos que a luta pelos direitos das mulheres é muito recente, tendo pouco mais de 30 ou 40 anos. 


Mesmo assim, em estudos recentes, ainda vemos que há muito para se conquistar. Casos de maus-tratos físicos e psicológicos, assédio sexual, estupros, espancamentos e assassinatos de mulheres, frequentemente cometidos por maridos e companheiros ainda acontecem com frequência, apesar dos avanços.


A primeira Delegacia Especializada de Atendimento À Mulher (DEAM) foi criada em 1985, e a Lei Maria da Penha (Lei 11.340) é de 07 de agosto 2006. Mesmo assim, 43.654 mulheres foram mortas no Brasil, entre 2000 e 2010, segundo dados do SIM - Sistema de Informações de Mortalidade da Secretaria de Vigilância em Saúde - SVS, que é vinculada ao Ministério da Saúde - MS. O Gráfico abaixo mapeia homicídios femininos desde 1980:


Mas, segundo as autoras, nem sempre foi assim:

Na história do Brasil, durante muito tempo, a violência sofrida pelas mulheres não era considerada um problema social que exigisse a intervenção do Estado, pelo fato de ocorrer, sobretudo, no espaço doméstico e em meio a relações conjugais e familiares.

Para entendermos essa questão, devemos recorrer a uma outra fonte, que nos explique como ela surgiu. Uma delas talvez seja o livro História da Vida Privada, volume 2 (Da Europa Feudal À Renascença). Já no Capítulo 2 (Quadros), escrito por Georges Duby, Dominique Barthélemy e Charles de La Roncière, na página 87, temos este trecho:

No espaço doméstico, o perigo era em primeiro lugar percebido como vindo insidiosamente das mulheres, portadoras do veneno, dos sortilégios, da cizânia...

E no parágrafo seguinte:

A ameaça contra a ordem estabelecida parecia então surgir surdamente do mais íntimo, do mais privado da sociedade cortês. E a palavra cortês convém, com efeito: não era o caso de inquietar-se muito com a perturbação provocada pelas mulheres submissas sobre quem pesava muito fortemente o poder da dona da casa. O problema da paz, da paz privada, colocava-se a propósito das bem-nascidas. Elas eram por isso estreitamente vigiadas, subjugadas. O eixo mais sólido do sistema de valores a que se fazia referência na casa nobre para bem conduzir-se apoiava-se sobre este postulado, ele próprio fundado na Escritura: que as mulheres, mais fracas e mais inclinadas ao pecado, devem ser trazidas à rédea. O dever primeiro do chefe da casa era vigiar, corrigir, matar, se preciso, sua mulher, suas irmãs, suas filhas, as viúvas e as filhas órfãs de seus irmãos, de seus primos e de seus vassalos. O poder patriarcal sobre a feminilidade representava o perigo. 

Percebe-se, pela leitura desse trecho, que a questão era mais antiga, remetendo-se à Bíblia, para justificar a violência contra a mulher. Eles ainda explicam que era por isso que havia um quarto separado para as mulheres. Era como se fosse uma forma de mantê-las próximas e, ao mesmo tempo, vigiadas.

Voltando ao texto de Lage e Nader, percebemos uma coerência com o outro texto, quando elas afirmam que a ideologia patriarcal, que estruturava as relações conjugais e familiares desde o tempo em que o Brasil era uma colônia portuguesa, conferia aos homens um grande poder sobre as mulheres, justificando atos de violência cometidos por pais e maridos contra filhas e esposas.Abaixo, reprodução de quadro de Debret, que mostra as mulheres indo para a missa, seguindo o patriarca:


Cabe lembrar que elas afirmam que essa prática de "vigiar e punir" acontecia nas classes dominantes, se disseminando para as classes populares. É que os membros da elite temiam que suas heranças fossem para as mãos de filhos ou filhas de outros. Mas os mais pobres não tinham esse temor, pois nem herança tinham para deixar...A questão é que os homens achavam que "possuíam" as mulheres de corpo e alma, podendo até surrá-las, ou coisa pior. Até a honra masculina estava ligada à ideia de dominação: se nem a mulher obedecesse o marido, quem dirá os escravos, agregados, filhos e todos os que compunham aquela sociedade:


Entre os séculos XVII e XIX, o Brasil foi comandado pelo Código Filipino, também conhecido como Ordenações Filipinas. Essa lei afirmava, entre outras coisas, que o marido podia assassinar a esposa adúltera, enclausurar mulher e filhas em conventos e praticar outros atos violentos "para o bem delas"


(veja as ordenações filipinas online - http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/)

Assim, haviam as "mulheres honestas" (que se deixavam dominar pelas regras de então) e as "desonestas" (as que tentavam mudar essa situação ou viviam alheias a elas). Podemos notar, de forma um pouco livre, que as mulheres que se dedicaram a ter uma vida pública (inclusive artistas), entraram no segundo grupo. Vem daí o preconceito contra atrizes, cantoras, compositoras, que eram taxadas de "mulheres fáceis", no mesmo grupo das prostitutas...




Nenhum comentário:

Postar um comentário